quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Crônica para ler com chuva



Por.: Mayara Melo
Passou a língua na borda do envelope e fechou a carta como quem sabe que seus mais ocultos segredos não estavam nem estariam seguros quando se tratasse dele. Sempre que ele a lesse – quer fosse uma metonímia, como aquelas de trocar o autor pela obra, ou só de olhar pros seus trejeitos – saberia o que ela estaria pensando. Difícil mesmo era saber se ser tão transparente era bom ou ruim...
De vez em quando o mundo confundia sua verdade com fraqueza. Estar exposta assim poderia torná-la vulnerável.
De vez em quando, não sabia o que dizer, mas só de olhar as pessoas já entendiam o que ela trazia bem lá no fundo.
Bem que ser assim lhe servia quando estava chovendo na vida de alguém, nunca fora mesmo tão boa assim com as palavras, mas tendo essa virtude (virtude?) sim, poderia fazer com que lhe achassem boa só com um abraço. Sorriso, olhar de atenção.
Agora ventava frio, lá fora o céu parecia ameaçar os românticos que se distraiam perto do lago. Ah, românticos... “por quê?” Perguntava-se. Por que alguém alheio à sua rotina aparece de repente e sem querer deixa seus sentidos dormentes... Adormece sua razão! E nunca pede sua permissão... Não pode ser nada bom apaixonar-se. Brincar de bem me quer, suspirar com poemas, a cada canção lembrar-se de um único nome... e ainda com todos os indícios de estar saltando de um precipício (incluindo os físicos, como a sensação esquisita de vazio na barriga que aparece quando as batidas do coração ficam audíveis) ainda assim, as pessoas sorriem. Dormem tranqüilas, e sabem, sempre sabem que vão terminar chorando uma desilusão.
Pelo menos chovia, e as vírgulas formadas pelas gotas na janela faziam um barulho que, se ela precisasse, encobriria seus choros. Foi só notar isso que se sentiu à vontade pra postar o envelope na carta do correio. Era um poema de amor.
Um indício que estava ficando dormente,  um passo para o salto do precipício... Não importava. O som da chuva no vidro da janela garantiria que, se viesse a chorar, sempre existirão  águas maiores pra nos ensinar que a vida é muito mais que o amor.

Ou que o amor é a coisa que faz a vida acontecer...

 

 Dica de música : Bon Iver - Michicant (Deluxe) – indicação de Bruno Berle



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